
Eis que lá estou eu arrumando meu armário para poder caber mais livros e apostilas da universidade quando de repente me deparo com um livrinho de histórias que eu costumava ler quando criança. O autor era Peter Bichsel, esse suíço aí da foto, e em especial, havia um conto que eu costumava ler várias vezes: O do tio Iodok. Já até sabia de cor, mas lia mesmo assim. Na falta de algo melhor pra escrever - esse blog vai falir hein - resolvi colocar algo simples e besta, sem muitas complicações desse mundo moderno, cruééél, e selvagem. Porque às vezes, literatura infantil é muito melhor que certos textos babacas de faculdade. Mas se você não acha isso, pode dar meia-volta e sair do blog.Porque o blues Hoje é Extra-longo e é sobre o Tio Iodok.
Nada sei a respeito do Tio Iodok, a não ser que ele era tio do meu avô. Não sei como ele era, nem onde morava e em que trabalhava.
Dele só sei o nome: Iodok. Não conheço mais ninguem com esse nome.
Meu avô começava suas hitórias assim: "Quando Tio Iodok ainda era vivo" ou "Quando fiz uma visita a Tio Iodok.." ou "Quando Tio Iodok meu deu de presente uma gaita.." Mas ele nunca falava do Tio Iodok, e sim da visita de Iodok, da gaita de Iodok... E quando alguém lhe perguntava: Mas quem é "Tio Iodok"?!?! - então ele dizia: Um homem sensato.
De qualquer modo, minha avó não conhecia esse tio e meu pai ria quando ouvia o nome dele. E meu avô se zangava quando o povo ria e então minha avó dizia: "sim, sim, Iodok.." e ele se dava por satisfeito. Durante muito tempo acreditei que Tio Iodok tivesse sido guarda florestal porque quando eu falei a meu avô que queria ser um, meu avô disse - Tio Iodok ficaria feliz com isso. E quando quis ser maquinista, ele disse a mesma coisa e também quando não quis ser nada. Meu avô sempre dizia - "Tio Iodok ficaria feliz."
Mas meu avô era um mentiroso.
Eu gostava dele, mas ele se tornou um mentiroso ao longo da vida.
Muitas vezes ele ia ao telefone, tirava o fone do gancho e dizia: - Bom diiia Tio Iodok, como vão as coisas?; Tio Iodok, não; Tio Iodok, sim, claro; Com cer-te-za, Tio Iodok - mas todo mundo sabia que enquanto ele falava, seu dedo apertava o gancho do telefone, e ele ali, finjindo...
Minha avó também sabia, mas mesmo assim gritava: "Desliga esse telefooone, vai ficar caro!" - E meu avô dizia: - Ok, agora preciso desligar Tio. - Desligava e dizia: "Tio Iodok mandou lembranças."
Antes ele sempre dizia: - Não, porque quando Tio Iodok era vivo.. - e agora já dizia: - precisamos fazer uma visita a Tio Iodok. Ou dizia: - Tio Iodok com certeza vem nos visitar. -, e fazia isso batendo nos joelhos, mas aquilo não era muito convincente. Ele percebia, ficava quieto e passava um tempinho sem falar no Tio Iodok.
Respirávamos aliviados.
Mas então a palhaçada recomeçava.
Iodok telefonou .
Iodok sempre disse isso.
Iodok também acha.
Aquele ali tem um chapéu igual ao do Tio Iodok.
Tio Iodok adora passear.
Tio Iodok suporta qualquer frio.
Tio Iodok gosta de animais gosta Tio Iodok vai passear com os animais vai passear Tio Iodok suporta qualquer frio suporta meu Tio Iodok m-e-u-t-i-o-I-o-d-o-k.
Que enjôo!
E quando nós, seus netos, o visitávamos, ele não perguntava: - quanto é 2 x 7? - ou: - Qual é a capital da Islândia? -, mas: -Como se escreve Iodok? Iodok se escreve com I no começo e K no fim, mas o que me irritava eram aqueles dois ós. Ninguém mais aguentava ouvir, O dia inteiro no quarto do meu avô, os ós de Iooodoook. Mas meu avô gostava e dizia:
Tio Iodok rói o mocotó.
Tio Iodok olhou o fundo do poço.
Tio Iodok soprou o fósforo.
Mas logo a coisa ficou tão grave que ele dizia tudo com ós: Too Iodok quor nos vosotor, olo ó om homom sonsoto, omonhõ vomos oncontror nosso too.
E as pessoas tinham cada vez mais medo do meu avô!! E depois ele começou a dizer que não conhecia nenhum "Iodok", que nós havíamos inventado aquilo tudo! Não fazia sentido discutir com ele. Para ele não havia mais nada além de Iodok. Ele chamava o carteiro de Iodok, depois passou a me chamar de Iodok também e depois todo mundo.
Iodok expressava ternura - Meu querido Iodok-, sua raiva: - Maldita Iodok-, e xingamento: -Filho do Iodok!.
Ele não dizia mais: "Estou com fome." dizia: "Estou com Iodok." Depois não dizia mais estou e sim: "Iodok com Iodok." Ele pegava o jornal e começava a ler o caderno "Iodok e Iodok". Ou seja, Acidentes e crimes . E começava a ler em voz alta: - Na Iodok de ontem ocorreu, na rua Iodok, perto do Iodok, um Iodok, que acarretou em duas Iodok's. Um Iodok dirigia Um Iodok em direção ao Iodok. Pouco Iodok depois aconteceu ...
Todos enfiavam os dedos nos ouvidos e pensavam: - Não podemos mais ouvir isso. Não suportamos mais! Meu avô no entanto não parava. e não parou durante toda a sua vida, mas eu ainda gostava dele. E todos aqueles mais velhos do que eu não queriam que ele andasse comigo e eu chorei muito quando ele morreu. Eu disse no seu túmulo que não deveria estar escrito "Frederico Glauser" e sim "Iodok Iodok", pois esse era o desejo do meu avô. Mas não me deram atenção, por mais que eu tivesse chorado...
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Dan
5 comments:
tio Iodok era beze.
hummmm pra quem tava dizendo q queria um blues mais curto eu axo q esse superou tds.....mas ele foi Iodok, bem Iodok esse vovô e esse tio....Iodok Iodok mesmo......
putz q Iodok !!!!!!
muito Iodok
Cara!
Muito bom!
Fiquei fan incondicional do Iodok...rs
Iodok be with you
é, dá pra perceber isso.. quando os mais velhos, quanto mais velhos, repetem uma palavra ou idéia. talvez por estarem mais certos de que aquilo é mais certo ou apenas por terem mais intimidade com tal idéia por causa do tempo que passou apegado a ela.
quem não conversou com um velhinho (avô mesmo) e n ouviu ele dizer algo em tom arrebatador, como se fosse um presságio de dez em dez minutos nem que seja um "é meu filho, este mundo é de louco, viu?"
exemplo nítido eh niemeyer, toda entrevista ele fala "o mais importante n é a arquitetura, é a vida, os amigos e este mundo injusto que devemos modificar". toda intrevista, toda.. TODA! às vezes ele complementa com um 'fodido n tem vez' ou qq coisa do genero, mas sempre diz o importante n é arquitetura, mas a vida, os amigos e este mundo.. e aí fala de como somos pequenos em relação ao universo e volta pra dizer que o mais importante n é..
aposto que seu epitáfio vai ser esse: ..mas a vida, os amigos e este mundo injusto que devemos modificar.
e às vezes o que falamos parece mas com a gente do que nós mesmos (e que venham os blues).
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